É SEMPRE MAIS SINCERO PERGUNTAR DO QUE RESPONDER

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Baratas arrotam após o apocalipse

A barata deixa satisfeita a lata de Coca-cola, e parte cheia de espectativas para a carcaça do vira-latas a sua frente. Detem-se ao perceber a lenta aproximação de outra barata. "Cara esquisito". A barata não tem dissernimento suficiente para perceber que aquele seu "irmão" provavelmente pertença à outra espécie (afinal, são mais de quatro mil). Ele já viu baratas que não se pareciam muito com ele, mas nada que se comparasse a essa que o observa atentamente agora. "Acho que nem barata isso aí é", pensa, sem se dar conta de que ser vivo algum há além de baratas.
Resolve ignorar aquela estranha presença e partir para a já referida carcaça canina. Quando já colocara duas patas sobre o cão, percebe que não valhe a pena transformar um potencial banquete, em uma incômoda refeição vigiada por um desconhecido. É hora de acabar com o mistério.
- Ei! O que você tanto olha?
- Não é grande coisa, - a voz da estranha barata é assustadoramente grave - só uma barata alienada.
- Alienígena?! Se tem algum alienígena aqui é você! - seu semblante ganha tons de preocupação - A não ser que... estamos no planeta Terra, né?
- Sim. - algo semelhante a um sorriso ameaça surgir no rosto da barata extraordinária - Ou pelo menos era...
- Como assim era?
- Você já deu uma boa olhada ao seu redor?
- Não, por quê?
A barata de espantosa fisionomia apenas aponta para um latão enclinado a metros deles. A barata simploria parece não compreender, mas permanecendo a outra na mesma posição a apontar para o latão, passados dois ou três minutos de uma letárgica busca pelo significado daquele gesto, ela enfim o compreende e vai até o objeto tomado por ferrugem. A chegada ao topo leva apenas alguns segundos.
- Uau! - boquiaberta, observa o horizonte desolador. Edifícios tombados, carros revirados, estilhaços de vidro, cadáveres humanos por todos os lados. O céu é um estranho amálgama entre vermelho e amarelo, e tem no sepulcral silêncio que por tudo se alastra, seu torpe e perfeito companheiro. Ignorante permanece estático por alguns minutos, a outra barata surge também no alto do latão. Ao observar o espanto da colega, comenta:
- Entendeu o que quis dizer com "era"?
- ...
- É, achei que a resposta seria essa mesmo.
A barata ordinária permanece quase que num estado de transe, fitando o mórbido cenário.
- Eu sei, é uma vista tenebrosa. Mas há certa beleza nela, não?
- Quanta comida... - enfim a criatura oraliza sua complexa impressão sobre o novo status planetário, do qual se dera conta nesse momento.
- Bom, do seu jeito você concordou comigo. - coloca uma pata sobre o ombro da colega estupefata - Mas pergunto: meu amigo, comer para que?
Seria a melhor forma de tirar o indivíduo de um estado de completa consternação, causar nele espanto ainda maior? Nesse caso funcionou. A barata simplória moveu sua cabeça e direção à outra.
- Que tipo de pergunta é essa? - há surpresa e indignação na voz do inseto.
- Do tipo que pede uma resposta.
- Ué... comer pra viver.
- E viver para que?
Essa pergunta parece causar um impacto ainda maior no ouvinte. Ele olha novamente para a destruição. Permanece a fitá-la por alguns segundos. Então olha para o companheiro.
- Viver... para comer?
- Essa resposta poderia ser dada de imediato. Por que demorou tanto para dizê-la?
- ...
- Eu sabia que você não era tão idiota garoto.
Os dois iniciam uma lenta descida pelo latão. A barata extraordinária ainda segura no ombro da colega, essa, cabisbaixa, parce bastante afetada por suas recentes descobertas.
- Eu vou falar sobre um velho amigo meu, um cara da mesma espécie que eu. Era uma criatura muito peculiar, fazia observações brilhantes sobre a vida, na mesma proporção em que dizia enormes baboseiras. Até hoje não me decidi em qual categoria devo encaixar esse diálogo que lhe retratarei agora, porém minha inclinação é a de considerá-lo absoluto devaneio. - a barata ordnária observa com atenção a prosa da evoluída - Ele tinha uma teoria interessante. Dizia que dos inúmeros males dos seres humanos, o pior era a inversão de valores. Os homens valorizavam a banalidade, e deixavam de valorizar o que era realmente extraordinário. Eu gostava dessa teoria, via palpável fundamento nessa. Na última vez que o vi, ele resolveu exemplificá-la. Nas palavras do próprio: "Sabe o que é realmente menosprezado na sociedade humana?" Aguardei. "O arroto." Caso não saiba, os homens viam a ação de arrotar como algo degradante, "falta de educação", diriam. Eu estranhei a observação, ele, logicamente, prosseguiu: "Conhece algo mais sincero do que o arroto? Não se finge um arroto. Arroto fingido, forçado, é xôxo, é um pedido de desculpas à instituição do arroto. O arroto é o esporro alimentício". O esporro era bem mais valorizado do que o referido arroto. Supervalorizado, era visto como um troféu, embora não passasse de uma manifestação física resultante de repetidas fricções na genitália masculina. "É o obrigado mais simples e espontâneo que há. A declaração de amor ao esforço da dona de casa. O Nobel de culinária ao chef de cozinha." Confesso que ri, tal o descrédito que a teoria dele ganhara após aquele amontoado de sandices. "Você está pensando como humano meu amigo, não se esqueça de quem é." Me ofendi com a acusação, "pensar como humano", mas ele não deixava de ter razão, nesse caso. Admiti isso, ele prosseguiu: "Sinceridade não faz muito sucesso entre eles. Preferem tapinhas nas costas, sorrisos amarelos, frouxos apertos de mão. Eles deveriam arrotar uns para os outros. Entre amigos apenas. Os apertos de mão deveriam ser para seus desafetos."
A barata incomum interrompe seu relato e observa a colega cabisbaixa.
- Está conseguindo acompanhar meu singelo relato?
- Não muito na verdade. Não sei tanto quanto vocês sobre os humanos.
- Não perdeu grande coisa.
Os dois já deixaram o latão para trás, e retornaram para as entranhas do fétido beco onde até há pouco estiveram.
- Pense na sua encruzilhada particular, a que tanto desconforto lhe causou há instantes.
- ...
- O círculo vicioso: comer para viver, viver para comer.
- Ah tá.
- Consegue estabelecer uma conexão entre seu dilema e a teoria de meu amigo?
- Que?
A barata evoluída olha para o rubro firmamento sobre si. Ao conformar-se de que resposta alguma de lá virá, nunca vem aliás, volta seus olhos par a confusa colega novamente.
- O que o chateou tanto com o que lhe disse antes sobre o "comer para viver, viver para comer"?
- Sei lá... acho que... ah, me senti meio vazio...
- Ótimo, precisava me lembrar por que estou dialogando com você há tanto tempo. Você consegue tirar alguma coisa de toda essa baboseira dita por meu amigo?
- Ah... - aparenta refletir profundamente ante o questionamento da outra barata. - os humanos davam valor às coisas erradas.
- Inquestionável.
- E as baratas comem para viver e vivem para comer.
- Sim.
- ...
- Nada?
- Nada.
- Quem lhe disse que há conexão?
- Você.
- Há quanto tempo me conhece?
- Alguns minutos.
- E nossa "amizade" de meia hora me fez ter tanta credibilidade com você, a ponto de fazê-lo esforçar-se tanto em descobrir algo, apenas por que eu disse que há algo a ser descoberto?
A barata ordinária nada responde. Seu rosto, se é que assim pode ser chamado, ganha uma expressão absurdamente tensa. Seu corpo é um pouco trêmulo. Ele abaixa a cabeça, e coloca duas patas sobre ela.
- Ah! - a exclamação é quase um grito - Eu não sei, eu não sei! Pare de fazer tantas perguntas! Eu estava ótimo até você aparecer por aqui com suas malditas perguntas!
Há um longo momento de silêncio.
A barata ordinária, com o semblante já não tão contrito, olha para a colega e diz:
- Desculpe... não quis ser rude.
- Você é tão rude quanto qualquer outra barata, ou ser humano. Não se penentecie por isso. A alienação é mesmo muito cômoda, mas o incômodo da sapiência também tem seus benefícios. - o semblante da barata extraordinária ganha um tom de melancolia ainda maior do que a que já possuíra - Não são muitos, não mentirei, mas se... bom, quero que pense em uma coisa apenas garoto, você achou que havia uma lição a tirar de minha história, apenas porque eu, alguém que fala com propriedade, lhe disse que havia uma. Eu, confesso, tendo a procurar por uma lição nessa mesma história, porque foram palavras ditas por alguém que fala com propriedade. Guie, não seja sempre guiado. Se alguém aparentemente sábio lhe diz para arrotar quando o mundo estiver desabando ao seu redor, pense bem antes de fazê-lo.
Há um novo momento de silêncio. O céu torna-se cada vez mais rubro, o ar cada vez mais pesado.
- È uma boa lição. - simplória enfim conclui.
- È claro que é, eu sou cheio delas. Vou lhe dar um descanso agora. Por que não aproveita o seu cachorro putrefato?
Ignorante sorri para o amigo e corre eufórico para o cadáver que ainda o aguarda intacto. Já só, com a expressão marcada indelevelmente por profunda amargura, incomum lamenta:
- Realmente cheguei a pensar que ele entenderia.
A empolgação da barata comum é imensa. Tamanha, a fazer com que seu minúsculo corpo chegue a quase desaparecer ante os resquícios de pele nas costelas do cão.
São alguns segundos de euforia para a barata esfomeada. Poucos segundos são necessários para euforia se transformar em agonia. A barata evoluída observa a tudo impassivel. O corpo da colega é arremessado do cadáver decomposto. Com as costas no solo, balança as patas freneticamente. Seu corpo dá quatro voltas em torno do próprio eixo, para que enfim cesse com os espasmos finais de uma existência que não pôde fugir da inutilidade. A barata normal está morta.
Extraordinária segue sem esboçar reação ante a trágica cena que assistira. Passa-se um tempo considerável sem que nada aconteça. Até que Extraordinária sorri, e diante do cadáver da única forma viva que encontrara em dias, emite o mais belo e satisfeito arroto do qual já se teve notícia.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

John Nash volta a ser Carla Perez





E o amarelo ao armário voltará
E a bandeira não mais servirá
E o futebol de novo desunirá
E para Pelé ninguém ligará
E Maradona por onde andará
E Galvão da moda sairá
E Africa em que planeta será
E da Jabulani alguém lembrará
E a vuvuzela enfim...
se calará







Até dois mil e quatorze, quando o país do futebol mostrará ao mundo seus demais dotes. Haja maquiagem amigo...

Nos salve Casagrande!



"Na historia das copas, sempre quando a Holanda não é eliminada ela chega a final"
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E a seleção volta a ser o "curintia".

quinta-feira, 24 de junho de 2010

DR TELEMARKETING ou como parei de criticar e passei a amar a coerência de Dunga

Usando da mesma truculência que até o último domingo (20), fazia dele o alvo preferido dos maiores insultos e deboches que poderiam ser ouvidos na imprensa, ou em qualquer boteco por aí, eis que o "tecnico" da seleção brasileira de futebol tornou-se o mais novo ídolo dessa grande nação. O motivo da mudança é irritantemente simples: o gentil senhor de cabelos espetados voltou sua metralhadora giratoria para um jornalista da rede de televisão que todo mundo odeia, mas não deixa de assistir (aquela que você certamente conhece algumas pessoas que ligam e desligam o seu aparelho de tevê, sem jamais tirar de lá). Fato que já gerou uma boa porção de mitos a fim de auxiliarem na canonização da simploria personagem.
Isso me faz pensar sobre uma ironia historicamente consagrada: as posições de heroi e vilão são transitórias, e acima de tudo, dependem do ponto de vista. O artilheiro que dá alegria para a torcida rubroverde, é o mesmo que faz chorar a nação alviazul. O messias socialista é a ameaça ao capitalista. E a vitoria de João, é a derrota de José.
Antes que John Nash volte a ser Carla Perez, aproveito para tratar da insuperável influência do ponto de vista sobre nossos julgamentos. O texto é simples e a missão também:
TRANSFORMAR OS OPERADORES DE TELEMARKETING NOS PRÓXIMOS NAMORADINHOS DO BRASIL!



- Bom dia, meu nome é Samarildo e falo em nome da operadora TCHAU. Com quem eu falo por gentileza?
- Que??
- Meu nome é Samarildo e falo em nome da TCHAU. Com quem eu falo por gentileza?
- Hã?
- Seu nome por favor.
- Ah, é a dona Maria.
- Maria. Nós estamos ligando apenas para fazer uma atualização de endereço, pode ser com a senhora mesmo?
- Que?
- Atualização de endereço, pode ser com a senhora?
- Ah, eu não tô entendendo nada.
- É só uma atualização de endereço, pode ser?
- ................
- Senhora?
- ...............
- Maria?
- ..............




- Bom dia, meu nome é Samarildo e falo em nome da operadora ESCURO. Com quem eu falo por gentileza?
- Hã?
- Meu nome é Samarildo, eu falo...
- Sama o que?
- Samarildo, da operadora ESCURO.
- Samanino?
- S-a-m-a-r-i-l-d-o.
- Coitado...
- Com quem eu falo?
- Que que cê quer Tamarindo?
- Estou ligando para fazer uma atualização de endereço.
- Não, não tô enteressado.
- Mas senhor...
- .............
- Senhor?




- Bom dia, meu nome é Sama... João e falo em nome da operadora MORTO, com quem eu falo por gentileza?
- Você não sabe pra quem está ligando, pô!
- Francisco Matias Machado?
- Não, eu sou o pai dele.
- Como é o nome do senhor?
- Pra que que você quer saber meu nome?
- Apenas para tornar nossa conversa mais informal.
- Eu não quero ser seu amigo, quero apenas que você faça logo a porcaria do seu servicinho e pare de me encher o saco!
- ..............
- O que você quer companheiro?
- Nós estamos ligando apenas para fazer um atualização de endereço.
- Pra que?
- Para que a fatura da MORTO possa chegar até sua casa.
- Mas eu não tô enteressado. Passar bem.
- Mas senhor...
- ............
- Senhor?




- Cara, você reclama, reclama, mas sempre sai de uma operadora para outra.
- Eu procuro emprego pra outras coisas, mas só operadora de telefonia me chama.
- Porque é nisso que você tem experiência. Só que se você sempre aceitar a primeira oferta que aparecer, não vai sair do telemarketing nunca.
- .....................
- E você precisa parar de ouvir esses seus colegas que trabalham em outra empresa, e que sempre falam que na deles é melhor. Não fosse por isso, você ainda estaria na mesma empresa pelo menos.
- Você tá certo.




- Alô?
- Alô Samarindo?
- Ele mesmo.
- OI, eu sou a Patricia aqui do rh da TEEN, e eu gostaria de estar falando com você a respeito do curriculum que você deixou conosco aqui essa tarde. Você pode estar vindo aqui amanhã às nove, para que possamos estar fazendo uma dinâmica de grupo com você?
- CLARO?









Acho que não vai dar certo, nem eu fiquei com pena do cara. Talvez tenha mais sorte com político.

domingo, 20 de junho de 2010

Singelo passeio dominical

Não era o programa dos meus sonhos, confesso, mas ao observar o encantamento no semblante de Virginia, percebi o quão coadjuvante eu era naquela tarde, e que o entojado ranzinza que tanto gosto de ser, deveria ficar trancafiado em meu interior na próxima hora. Que não passe de uma hora.
Levo o carrinho com dificuldade nas calçadas irregulares da capital social do Brasil, que aparentemente quer manter seus cidadãos cadeirantes em casa. Minha filha dormia, mas a cada novo tropicão seus olhos se abriam para em seguida se fecharem. Foi assim no trajeto entre minha casa e o Passeio Público, repetindo-se cinco ou seis vezes, em menos de dez minutos. No fim da descida de uma rampa há um desnível, que poderia ferir seriamente um cadeirante desavisado. Seria essa uma armadilha nazista para deficientes?
A poucos metros de nosso destino, o que era um ruído indecifrável pouco a pouco tornava-se mais nítido, e quando avisto a multidão a minha frente, já não restam dúvidas do que se trata tudo aquilo.
- Você não verificou se haveria jogo hoje?
- Por que a culpa é minha? Você também poderia ter se informado?
- Foi sua a idéia do passeio.
- É pela Virginia.
- É pela Virginia que não quero cruzar com esse bando.
- Relaxa amor, não é pro Passseio Público que eles estão indo.
Não relaxei, tampouco Virginia, que se resistira bravamente aos solavancos até ali, não conseguiu permanecer dormindo ante a balburdia dos civilizados torcedores. Pelo menos algo de positivo me ocorre, ela é nova demais para entender a poesia proferida pela nata da juventude curitibana. Não entende o que é dito, mas se assusta com a insanidade coletiva que presencia, e quando irrompe o pranto inevitável (inevitável por parte dela), minha esposa a pega no colo e, mesmo sem verbalizar essa impressão, estou certo de que me deu razão.
Quando finalmente adentramos o Passeio Público, os urros neandertais já voltaram a ser ruídos e a pequenina, acalentada pelo indefectivel colo da mãe, já pode retornar a seu meio de transporte. Há mais de um ano não ia ao Passeio Público, mas conheço bem esse cenário e definitivamente há algo de diferente nele. Os vendedores de pipoca, balão e algodão doce continuam os mesmos. O lago imundo, o odor desagradável e os esquizofrênicos a falarem sozinhos também não se abalam como marcas registradas do lugar. Mas falta algo...bom, o que é absolutamente banal para mim, é uma encantadora novidade para minha filha.Seus olhos brilhantes iam de um lado a outro, para cima e para baixo, deslumbrados com toda a gente, o verde e a fauna do lugar. Odores e sons novos também causavam saudável espanto na criança.
Sempre achei a fauna humana do Passeio Público mais interesssante do que a de penas, pêlos e escamas. Não que seja difícil superar os peixinhos inertes, a araras minúsculas e os macacos distantes que servem de pálida atração para um público que não prima pela exigência. Todavia, é realmente notável a diversidade de espécies dentro da espécie humana vista por aqui. Além dos já citados esquizofrênicos a discutirem consigo mesmos e os comerciantes, há os atletas, os mendigos, as prostitutas, os guardas municipais. Os mendigos com as prostitutas, os atletas com as prostitutas. Os guardas municipais aguardando o anoitecer para irem às prostitutas. Os velhinhos jogando gamão. Os casais fazendo do gramado motel gratuito. Os alunos do Estadual. Os alunos do Estadual fazendo do gramado motel gratuito. Os alunos do Estadual e as prostitutas (com elas o gramado não é gratuito). E falta algo... revisitando a fauna humana típica do Passeio público, passo a ter certeza de que algo não está certo hoje...
"Coiatidinha, com esse vento na cara", comenta a mulher de perfume estranho. Não me recordo de ter pedido conselhos sobre como criar minha filha a ela, porém creio que devo estar satisfeito dessa ser a primeira vez no dia em que ouvimos algo dessa espécie. Normalmente assim que saímos do predio, já começamos a ouvir as valiosas e embasadas opiniões de nossas atarefadas vizinhas. "A senhora deveria cobrar por esses conselhos, sua sabedoria é uma dádiva, e como tal deve ser valorizada". Respondi à mulher, que pelo semblante não compreendeu o que disse exatamente, mas deduziu o "cuide da sua vida" subentendivel.
Começo a cantarolar Raul: "eu devia estar contente porque eu tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitado e ganho quatro mil cruzeiros por mês". Entretanto, antes de chegar minha parte favorita, o "eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo, para ir com a família no jardim zoológico dar pipoca aos macacos", sou atingido, como que por um raio, pela lembrança, enfim, do que está faltando nesa tarde de domingo.
- Onde estão os calçudos?
Os termos "calçudo" e "vileiro" dizem respeito a uma raça de criaturas que, embora jovens na idade, parecem ter a mesma disposição para mover seus corpos do que um idoso em estado terminal. São caracterizados por penteados ridículos, e roupas largas de veludo, bastante coloridas. Seus Habitats naturais são shoppings, praças, terminais de ônibus e quaisquer outros lugares onde possam permanecer por intermináveis horas sem qualquer coisa fazer. É um grupo de inestimável valor para nossa sociedade.
- Devem estar em casa com medo do Matador de vileiros.
- Matador de vileiros?
- Nossa amor, em que planeta você vive? Você nunca ouviu falar dele?
- Não, do que se trata?
- De um cara que mata vileiros. Pensei que fosse auto explicativo.
- Sério? Que interessante!
- Não é interessante, é assustador.
- Assustador, concordo, mas igualmente interessante. Quantos ele já matou?
- Não sei, mas foi uma porção.
Silencio por alguns instantes. Refletindo sobre o assunto, vou para longe. Como que lendo minha mente, minha esposa questiona:
- Você acha que eles merecem isso, né?
- Não, não disse isso...
- Mas pensa, conheço você. Amor, vileiros não são criminosos.
- Ainda.
- Que seja, mas só poderão ser punidos como criminosos quando forem criminosos.
- É claro, claro... - não creio que tenha conseguido esconder meu desapontamento ao me dar conta de que ela estava certa. - ... é que... sei lá, acho que seria bom um justiceiro, um cara que limpasse as ruas.
- Mas não de vileiros.
- Vileiros fazem arrastões, assaltos e vandalismo.
- Não todos, e ao fazerem isso, devem ser chamados de criminosos, não de calçudos. - não respondo a essa observação, ela prossegue - Só não quero que alguém seja morto pela forma de se vestir.
Minha resposta imediata é apenas um suspiro. Odeio não ter razão, e para reconhecer isso, leva certo tempo.
- Você tem razão.
- Não me convenceu muito.
- Como eu já disse, queria alguém para fazer o trabalho que a polícia deveria fazer.
- E olha só, o cara desenha com uma faca um M e um V, no abdomen das vítimas. Ele é louco de pedra.
- Ou quer criar uma marca, mandar um aviso.
- Pô, você ainda está defendendo o cara! Quer saber? - retira Virginia do carrinho e, com ela nos braços, afasta-se de mim em direção a grade das ratazanas - Olha filha, as Cutias.
É um mundo estranho. Um mundo de estranhos auto-destrutivos, que não destroem apenas a si mesmos. De cabeças de bagre que se juntam em grupos para levar suas mensagens vazias ao mundo. De egoístas, acima de tudo de egoístas. De tantas outras maçãs podres, que tornam o mérito genuíno exceção, dentro de uma regra repugnante. E é para esse mundo que trouxemos Virgínia. Pensar que fazer surgir um cidadão valorozo seria uma forma de dar uma nova chance à espécie, e que esse poderia mudar esse estado das coisas, não me convence agora, soa utópico, e eu já estou velho demais para utopias... infelizmente.
Tendo minha mente tomada por funestas reflexões, observo minha esposa caminhar com minha filha no colo. Sinto-me frágil, impotente. Inútil. Não posso vigiá-las o tempo todo, e mesmo que pudesse, não garantiria que a loucura cotidiana jamais as atingisse. Muitos associam paternidade com responsabilidade, mas às vezes me sinto tremendamente irresponsável por ter me tornado pai num mundo que tanto foge ao meu controle, a qualquer controle.O que aquele maltrapilho tanto olha para elas? E aqueles dois ali, estão chegando perto demais.
Me aproximo delas questionando se sou paranóico ou previdente. Ainda não tenho certeza se gosto ou desgosto do tal Matador de vileiros, ele até me assusta, mas o que me apavora realmente, é esse maldito mundo estranho que provoca a sua existência.
"Ah mas que sujeito chato sou eu, que não acha nada engraçado, macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco..."

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre "A Máscara da Mediocridade Tola".

O referido texto dialoga levemente com o conto "A Máscara da Morte Rubra" de Edgar Allan Poe. Mas por que explico essa referência e não todas as outras presentes no post anterior e nos demais? Primeiramente por saber que a obra de Poe é bem mais obscura para um leitor dessas bandas do que os programas de televisão que prometem premiações mirabolantes que ninguém recebe, ou as criaturas diversas que circulam pelos ônibus, metrôs e similares. E "segundamente", para ter uma desculpa para apresentar uma simplória brincadeira que criei há alguns anos. Antes dela no entanto, se servir para aguçar a curiosidade de algum leitor, "A máscara da morte rubra" narra o avanço de uma impiedosa peste que devasta a população mais humilde de determinado reino, enquanto a elite festeja enclausurada num castelo. Pararelos possíveis entre a Morte Rubra e a Mediocridade Tola ficam a critério do leitor. Leia o conto de Poe, e não leve a sério o texto que se segue.




POE NOSSO

Poe nosso que estás no hell
santificada seja a rua Morgue
vem a nós o gato preto
derramai o barril de amontilado
com o corvo a voar pelo céu
a morte rubra de cada dia nos dai hoje
perdoai as "versão que são trash"
assim como aterrais os que vos tem lido
não nos ceguei com os lixos que teus não são
e livrai-nos de todo o mal

amém


Já que me propus a explicar mesmo, "as versão que são trash" dizem respeito as versões para o cinema da obra de Poe, considerando que até as melhores, as de Roger Corman, são trash por definição. Originalmente o texto encerrava-se com "brindai-nos com vosso mal", alterei por hoje entender que não há mal na obra de Poe, e sim na mediocridade tola que nos atola até o pescoço, e é dessa, que gostaria que ele nos livrasse.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A máscara da mediocridade tola

Era um homem de valor. Culto, politizado, grande amigo. Sonhava em ser escritor, queria escrever telenovelas, não porque gostasse do gênero, justamente por não gostar na verdade. Pensava que uma forma de narrativa com alcance tão longo, deveria ser usada de maneira mais criteriosa. Deveria instigar o telespectador ao inconformismo, apresentar formatos diversificados para as tramas, tratar da realidade do trabalhador comum em alguns momentos, para em outros levá-lo a realidades que pouco ou nada se assemelhem a dele. Sonhava. Chegou a escrever a sua própria, "Vertigens", chamava-se. Mas a realidade o tragava do mundo dos sonhos a toda hora, e logo acabou por desistir de sua arte, em nome dos eletrodomésticos defeituosos que tinha que consertar.
Era naturalmente um inconformado. Com dois meses de namoro pediu-a em casamento. A moça aceitou. Casaram-se um mês depois. Suas ambições artsticas e os planos familiares encontravam um obstáculo comum: capital limitado e a falta de perspectiva de mudança nessa situação.
Era inegavelmente obstinado. Na ideia fixa de comprar uma casa propria, arrumou dois empregos. Nao bastou. Procurou formas alternativas de ganhar dinheiro. "Um amigo tá ganhando milão por mês fazendo mala direta pela internet. Você só paga o curso. Por que não tenta"? Desfecho obvio, o dinheiro era subtraido e não somado como o pretendido. "A gente devia participar do show do milhao". O comentário jocoso da mulher foi levado a sério. Foram meses aguardando ser sorteado. O programa foi cancelado sem que ele fosse chamado.
Mas não era de desistir fácil, principalmente ao se dar conta de que oferecer um milhão de reais ja não era novidade, que ao contrário, programas esdrúxulos de emissoras de tevê esdrúxulas o ofereciam quase que diariamente. Chegou a comprar um sofá no intento de concorrer a "um milhão de reais em barras de ouro, que valhem muito mais do que dinheiro", oferecido por uma rede de lojas de eletrodomésticos. Desfecho obvio. Pensou estar sendo muito ambicioso, então passou a procurar por prêmios menos pomposos. Madrugada de insônia. Logo surge na televisão uma moça com pouca roupa, implorando para que ele ligue para o número de telefone que é mostrado ininterruptamenete. Mostra um quebra-cabeças ridiculamente fácil, afirmando que basta ligar e responder a um rápido questionário, para conversar com a moça afoita e responder ao desafio cultural. "Por que não"? Pensou, e o porquê tardou a aparecer. Quatro horas e meia. Foram quatro horas e meia respondendo ao rápido questionário, até enfim se entregar e desligar o telefone. E era um desfecho tão obvio.
Era a afronta definitiva aos seus ideais, e além disso, não teria chance mesmo. Quando a mulher falou em Big Brother, gargalhou. "Voce acha que pessoas comuns são escolhidas para participar desse lixo? Além do mais, jamais me sujeitaria a isso. Esta aberração é o que há de pior na já horrível televisão brasileira. Pessoas fúteis, exibindo seus fúteis corpos sarados, exercitando sua futilidade, ante um fútil público que só se interessa por esse previsível teatro do sucesso garantido". Recusou-se a tentativa. Contudo naquele ano, o programa se propôs a sortear quatro vagas para telespectadores comuns (alem do padronizado elenco já determinado). A esposa o inscreveu, e o imprevisível finalmente deu as caras. A notícia do sucesso foi recebida com repulsa, e a aceitaçãofoi apenas possível gracas a um desafio. "Jogue o jogo deles. Venca".
Era um grande jogador. Ao menos era o que pensava. Interpretou uma simploria personagem desde os primeiros dias na casa. Corintiano fanático, simples, de bom coração, prometeu doar metade do prêmio a instituições de caridade, caso vencesse o programa. Conquistou o coração da interiorana ex-mis Mato Grosso. A esposa não suportou. Compôs um funk homenageando seus colegas de programa. Seus amigos não suportaram.
Era uma terça-feira, a duas semanas do fim do programa. Após a eliminacao de seu grande amor de reality show, caminhava solitário proximo à piscina. Silente, parecia refletir profundamente sobre sua situação. Despenca de joelhos sobre o piso, e com os punhos cerrados, começa a chorar tal qual uma criança que acabara de inutilizar seu brinquedo preferido. "Porra! Eu ja nem faço questao de ganhar o milhão. Só não quero que o Big Brother acabe pra mim... nunca"!
E a treva, e a ruína, e a Mediocridade Tola estabeleceram sobre tudo o seu ilimitado império.
O público parece não ter aprovado o pranto repleto de soluços do rapaz (talvez pela sinceridade desse), que não resistiu a eliminação seguinte. Fim de jogo, e nas horas que se seguiram a eliminação, entendeu aos poucos tudo o mais que havia perdido. O choro foi ainda mais forte. A trágica morte do homem de valor foi lamentada, mas não totalmente compreendida, pois apenas um homem de valor lamenta de maneira plena a perda de seu semelhante. Ele já não o era mais. No fim nem compreendia exatamente pelo que se enlutara.
Perdeu o jogo, a mulher, o milhão. Entretanto ganhou um título: EX-BBB. Através do qual conseguiu acumular considerável capital (não chega a um milhão de reais mas...). "Convidado" de varios programas de rádio e televisão, ou como d.j. de "eventos" diversos. Finalmente teve um livro publicado: "Como perdi um milhão, mas ganhei o coração do Brasil" .
Agora assiste com notavel interesse à estreia do Big Brother Brasil vinte e sete. Enquanto a esposa professora de educação física prepara o jantar para os dois filhos.
Seu show de stand up comedy estréia no próximo fim de semana.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Viva a prudência do chimpanzé!

- A única forma de saber o que um botão faz é apertando ele.
- Se eu soubesse que o Bush me queria como secretário de segurança, não teria votado no Carl para presidente!
- Homer Simpson.
- Homer Simpson!? Não sei senhor. Ele não lhe parece esperto demais?