É SEMPRE MAIS SINCERO PERGUNTAR DO QUE RESPONDER

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A máscara da mediocridade tola

Era um homem de valor. Culto, politizado, grande amigo. Sonhava em ser escritor, queria escrever telenovelas, não porque gostasse do gênero, justamente por não gostar na verdade. Pensava que uma forma de narrativa com alcance tão longo, deveria ser usada de maneira mais criteriosa. Deveria instigar o telespectador ao inconformismo, apresentar formatos diversificados para as tramas, tratar da realidade do trabalhador comum em alguns momentos, para em outros levá-lo a realidades que pouco ou nada se assemelhem a dele. Sonhava. Chegou a escrever a sua própria, "Vertigens", chamava-se. Mas a realidade o tragava do mundo dos sonhos a toda hora, e logo acabou por desistir de sua arte, em nome dos eletrodomésticos defeituosos que tinha que consertar.
Era naturalmente um inconformado. Com dois meses de namoro pediu-a em casamento. A moça aceitou. Casaram-se um mês depois. Suas ambições artsticas e os planos familiares encontravam um obstáculo comum: capital limitado e a falta de perspectiva de mudança nessa situação.
Era inegavelmente obstinado. Na ideia fixa de comprar uma casa propria, arrumou dois empregos. Nao bastou. Procurou formas alternativas de ganhar dinheiro. "Um amigo tá ganhando milão por mês fazendo mala direta pela internet. Você só paga o curso. Por que não tenta"? Desfecho obvio, o dinheiro era subtraido e não somado como o pretendido. "A gente devia participar do show do milhao". O comentário jocoso da mulher foi levado a sério. Foram meses aguardando ser sorteado. O programa foi cancelado sem que ele fosse chamado.
Mas não era de desistir fácil, principalmente ao se dar conta de que oferecer um milhão de reais ja não era novidade, que ao contrário, programas esdrúxulos de emissoras de tevê esdrúxulas o ofereciam quase que diariamente. Chegou a comprar um sofá no intento de concorrer a "um milhão de reais em barras de ouro, que valhem muito mais do que dinheiro", oferecido por uma rede de lojas de eletrodomésticos. Desfecho obvio. Pensou estar sendo muito ambicioso, então passou a procurar por prêmios menos pomposos. Madrugada de insônia. Logo surge na televisão uma moça com pouca roupa, implorando para que ele ligue para o número de telefone que é mostrado ininterruptamenete. Mostra um quebra-cabeças ridiculamente fácil, afirmando que basta ligar e responder a um rápido questionário, para conversar com a moça afoita e responder ao desafio cultural. "Por que não"? Pensou, e o porquê tardou a aparecer. Quatro horas e meia. Foram quatro horas e meia respondendo ao rápido questionário, até enfim se entregar e desligar o telefone. E era um desfecho tão obvio.
Era a afronta definitiva aos seus ideais, e além disso, não teria chance mesmo. Quando a mulher falou em Big Brother, gargalhou. "Voce acha que pessoas comuns são escolhidas para participar desse lixo? Além do mais, jamais me sujeitaria a isso. Esta aberração é o que há de pior na já horrível televisão brasileira. Pessoas fúteis, exibindo seus fúteis corpos sarados, exercitando sua futilidade, ante um fútil público que só se interessa por esse previsível teatro do sucesso garantido". Recusou-se a tentativa. Contudo naquele ano, o programa se propôs a sortear quatro vagas para telespectadores comuns (alem do padronizado elenco já determinado). A esposa o inscreveu, e o imprevisível finalmente deu as caras. A notícia do sucesso foi recebida com repulsa, e a aceitaçãofoi apenas possível gracas a um desafio. "Jogue o jogo deles. Venca".
Era um grande jogador. Ao menos era o que pensava. Interpretou uma simploria personagem desde os primeiros dias na casa. Corintiano fanático, simples, de bom coração, prometeu doar metade do prêmio a instituições de caridade, caso vencesse o programa. Conquistou o coração da interiorana ex-mis Mato Grosso. A esposa não suportou. Compôs um funk homenageando seus colegas de programa. Seus amigos não suportaram.
Era uma terça-feira, a duas semanas do fim do programa. Após a eliminacao de seu grande amor de reality show, caminhava solitário proximo à piscina. Silente, parecia refletir profundamente sobre sua situação. Despenca de joelhos sobre o piso, e com os punhos cerrados, começa a chorar tal qual uma criança que acabara de inutilizar seu brinquedo preferido. "Porra! Eu ja nem faço questao de ganhar o milhão. Só não quero que o Big Brother acabe pra mim... nunca"!
E a treva, e a ruína, e a Mediocridade Tola estabeleceram sobre tudo o seu ilimitado império.
O público parece não ter aprovado o pranto repleto de soluços do rapaz (talvez pela sinceridade desse), que não resistiu a eliminação seguinte. Fim de jogo, e nas horas que se seguiram a eliminação, entendeu aos poucos tudo o mais que havia perdido. O choro foi ainda mais forte. A trágica morte do homem de valor foi lamentada, mas não totalmente compreendida, pois apenas um homem de valor lamenta de maneira plena a perda de seu semelhante. Ele já não o era mais. No fim nem compreendia exatamente pelo que se enlutara.
Perdeu o jogo, a mulher, o milhão. Entretanto ganhou um título: EX-BBB. Através do qual conseguiu acumular considerável capital (não chega a um milhão de reais mas...). "Convidado" de varios programas de rádio e televisão, ou como d.j. de "eventos" diversos. Finalmente teve um livro publicado: "Como perdi um milhão, mas ganhei o coração do Brasil" .
Agora assiste com notavel interesse à estreia do Big Brother Brasil vinte e sete. Enquanto a esposa professora de educação física prepara o jantar para os dois filhos.
Seu show de stand up comedy estréia no próximo fim de semana.

5 comentários:

  1. Sacanagem ele virar stand-up depois de tudo, hunf....
    Tirando esse pequeno detalhe, como sempre, ó-te-mo !

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  2. A mãe leu aqui e não comentou...tosca...Ela disse q a parte de ligar era especialmente pra ela...hehehe

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  3. O legal é que voce nem assiste o BBB, e mesmo assim percebe o lado destruidor para os que não ganham o premio principal, estou de olho para ler tudo o que voce escrever, sou sua fã.

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  4. O comentario acima é da Rosangela.

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  5. Gostei bastante dos textos. A sua visão "dark" das coisas é bem divertida. Quando ficar velho você vai ser um saco. O "vermelhão" é motivo de orgulho para nós "curitibocas"e o BBB é maravilhoso...puts. Continue postando textos desse nível. Parabéns.

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